Certidão – Marina Porteclis
Certifico, para os devidos fins, que estou de saco cheio
Que meu saco simbolizado não cabe mais um grão de centeio
Que os pães feitos dos centeios passados têm sido pouco para tolerar a fome que sinto de tolerância
Que o pão nosso de cada dia não alimenta mais a mais esquálida das crianças
E que existem milhares de criança com fome dentro e fora de mim
Certifico que o mundo morrerá de inanição
A vida tem emagrecido e a Saúde definha doente
As estradas que ainda restam não levam a lugar algum
As pessoas não sabem ler as placas, a maioria analfabeta
E as que não o são, não sabem aonde querem chegar,
Mesmo alfabetizadas, são indecisas e cegas
Certifico que a hipocrisia desintegra a solidez de qualquer instituição:
Igreja, Congresso, Superiores Tribunais, Tribunais Celestes, empresas públicas e empresas latrinas, digo, privadas…senzalas, senzalas, senzalas
A ignorância acorrenta
O preconceito chicoteia
O tronco é a multidão de humanos que julgam outros humanos
Que compram outros humanos…
Humanos?
Humanos?
Humanos de segunda categoria, que prendem, espancam, matam a vida alheia e dos humanos de primeira
Certifico que ninguém poderá ser digno sem antes assinar embaixo do que escreve
E pagar o preço do que leva
O que é isto, senhores Humanos?
Abram os livros e desliguem as novelas!
Não existem mais esconderijos para tanta podridão!
Empenhem as almas, mas paguem o que devem
Apareçam antes de apontar o dedo em nossa direção
E quem nunca se sentiu apontado que estenda o primeiro dedo:
O do meio?
É apenas uma idéia
Certifico que, apesar do tom raivoso, gostaria que esta certidão tivesse tom de prece
Certifico, já em silêncio, de olhos fechados, com as mãos unidas e paralelas, que de nada servirá esta certidão sem a mínima reflexão
É tudo o que me cumpre certificar, sem cautelas.